quinta-feira, 1 de maio de 2014

Obá a líder das mulheres


Oba é um dos “orixás femininos” sobre a qual recaiu uma espécie de esquecimento. Todavia, não obstante este fato, ela goza de enorme significado no universo das religiões de matriz africana. Muito pouco se tem escrito sobre a mesma, talvez por ela nos remeter a um mito original que se repete em várias culturas que fala “de um tempo em que o mundo era governado pelas mulheres.”
Em alguns terreiros de candomblé que ainda preservam a figura desse principio ancestral, Obá aparece como uma caçadora. Este fato faz alusão aos primórdios dos grupos humanos que tinham a atividade coletora como principal meio de sustento. Pena que ainda hoje quando retomamos esta imagem, logo nos vem à mente figuras masculinas, contrariando alguns mitos afro-brasileiros que trazem enfaticamente a presença de mulheres a frente de grupos que mais tarde darão origem às grandes civilizações. Em todos os mitos preservados no Brasil, Obá apresenta-se como caçadora ao lado de outras como Oyá e Iewá, daí a sua ligação direta com Odé, o caçador.

Outra imagem que reforça a antiguidade do seu culto é a de que tal orixá também é um rio do mesmo nome que ainda hoje corta uma parte do território iorubá. Conta-se que, após vários dias de batalha, estando os orixás liderados por Ogum e Oxalá, fragilizados pela guerra, Obá não se contentando em reunir apenas as mulheres de seu tempo, convocou todas as fêmeas do mundo animal. Ao ver Obá chegar rodeada de animais, aquela guerra foi vencida porque os inimigos fugiram de seus postos. Afirma-se nos terreiros que Obá mantém relações profundas com os animais, outra imagem antiga preservada do tempo em que os primeiros grupos humanos acreditavam encantá-los através de seus desenhos. O tempo em que os caçadores e caçadoras confundiam-se com a própria caça.

O culto a Obá é ainda hoje cercado de mistério. Mistério velado pelas cores escuras, representadas pelo vermelho encarnado que compõem seus elementos rituais nas poucas vezes em que aparece. Em alguns terreiros de tradição jeje nagô, a cantiga que diz “Obá, líder da sociedade Elekô comanda todas as mulheres guerreiras”, inicia a seqüência de músicas que dentre outras coisas, lembra a sua importância como representante das mulheres como caçadora, chamando para si funções sociais, políticas, culturais e religiosas. Em outras palavras, Obá, além de desempenhar um papel como desbravadora, cabia a ela defender o grupo, o protegendo em todos os sentidos, fomentar seu sustento e garantir a sua integridade política. Os caçadores eram ainda médicos, mágicos, verdadeiros entes divinos que sabiam que da relação de sua comunidade com os ancestrais dependia a sua permanência no mundo.

Daí a expressão: “Obá Elekô”. Elekô, a exemplo de muitas outras sociedades secretas, era uma espécie de “maçonaria de mulheres”, que dentre outras funções, zelava pela preservação da relação entre estas e a terra, para alguns grupos humanos, a grande mãe ancestral. Pena que apenas persistiu dentre nós, fragmentos de uma história que diz ter sido Obá enganada por uma das mulheres de Xangô que a teria induzido cortar uma de suas orelhas. Acho mesmo que a imagem da orelha cortada por Obá neste mito é menos importante do que aquilo que considero tema principal: o amor. Obá é símbolo do amor, esse princípio universal que por mais esforço já se tenha feito para traduzi-lo através das poesias, das filosofias, das religiões e recentemente da ciência, ainda é um mistério, talvez por ser ele um dos mais divinos.

Gosto muito da história que diz que certa ocasião muito triste por ter perdido um de seus filhos, uma mulher adentrou-se na mata e pediu a Obá que o trouxesse de volta. Adormecida na floresta, a jovem sonhou com sementes que lhes eram trazidas por um enorme pássaro. Acordada do sono, a mulher foi procurá-las. Chegando a beira de um rio, mal pode conter a sua alegria ao deparar-se com as sementes que a noite havia sonhado, ao mesmo tempo em que se deu conta de que, era ela mesma o pássaro que a noite havia visto em sonho. Das sementes plantadas pela mulher arrebentou uma planta que se transformou numa árvore de tronco escuro a partir da qual a humanidade melhor podia se representar, trazendo presente na forma de esculturas seus antepassados: o ébano.

Obá, dessa maneira é a “verdadeira deusa do ébano”, não somente da madeira escura, de brilho natural que tanto nos representa através das mãos dos artistas africanos, mas a verdadeira “deusa negra” presente em todas as mulheres, nossas irmãs e mães que hoje mais do que nunca vão ao enfrentamento para defender a sua dignidade através da garantia da integridade de seus filhos. Mulheres que embora tenham conquistado espaços nas sociedades contemporâneas ainda são aquelas mais estigmatizadas, violentadas e que tem seus direitos menos respeitados. Mulheres que como Obá amam, e por isso vão a luta pelos seus sonhos e são capazes não apenas de liderar quilombos, revoltas armadas, greves, movimentos sociais, mas grupos inteiros pois assim foi desde o inicio quando Obá saiu á frente convocando todas as mulheres para reconquistar o mundo.

Texto do Prof Vilson Caetano de Souza Junior: Antropólogo, Doutor em Ciênciais Sociais pela PUC-SP e Pós Doutor em Antropologia pela UNESP. Membro do Centro Atabaque de Cultura Negra e Teologia, Grupo de reflexão inter-disciplinar sobre Teologia e cultura fundado no início dos anos 90 em São Paulo. Professor da Escola de Nutrição da UFBA, autor de vários livros na área de Antropologia das Populações Afro-Brasileiras, retirado do site:http://egebeoba.blogspot.com.br/2011/05/oba-lider-das-mulheres-por-prof-vilson.html

sábado, 22 de fevereiro de 2014

POR QUE VOCÊ ESTÁ NA RELIGIÃO?

"Estou na religião, porque estou doente" 
Saia da religião, irmão!
Religião não vende curas, procure um Hospital.

"Estou na religião, porque é minha missão" 
Saia da religião, irmão! 
Religião, assim como a espiritualidade, respeita o livre arbítrio, 
não se sinta obrigado a nada.

"Estou na religião, porque estou desempregado" 
Saia da religião, irmão! 
Religião não vende promessas de prosperidade, 
pois o ganho material nada soma a espiritualidade, 
procure uma Agência de Empregos.

"Estou na religião,porque minhas entidades fecharam meus caminhos" 
Saia da religião, irmão! 
Entidade que trabalha na Luz não fecha o caminho de ninguém, 
muito menos de seu aparelho de ação, aceite suas imperfeições!

"Estou na religião, porque tenho mediunidade forte"
Saia da religião, irmão! 
Religião não é competição do mais forte ou fraco, 
mediunidade não tem medida, o que te motiva é a simples 
vaidade e cegueira por poder. Procure um Circo!

"Estou na religião, porque tenho Karma" 
Saia da religião, irmão!
A religião não lhe dará quitação kármica, quem faz isso são 
suas ações fora da religião. 
Procure um voluntariado, orfanato, asilo enfim, uma forma 
de ajudar que terá mais êxito.

"Estou na religião, porque pessoas precisam de minha ajuda"
Saia da religião, irmão! 
Você é apenas mais um médium, você não tem poderes 
mágicos; na religião, só existe tarefeiros e trabalhadores. 
Você está motivado pelo deslumbramento não pela caridade.

"Estou na religião, porque quero prestar a caridade"
Saia da religião, irmão! 
Quem presta a caridade, não é você e sim os seus guias,
através da sua mediunidade. 
Você é um INSTRUMENTO DA CARIDADE DIVINA.

"Estou na religião, em busca de auto conhecimento, 
de entendimento da minha missão na TERRA enquanto encarnado 
e usar minha mediunidade em prol do meu progresso 
e dos que necessitam" 
FIQUE NA RELIGIÃO! 
A mediunidade é uma benção a quem a recebe e a 

quem se beneficia dela."

sábado, 11 de janeiro de 2014

Sem água, sem folha, sem Orixá

Na cultura Yorùbá, no que tange a Ecologia e Cultura Religiosa, o homem está extremamente ligado à natureza, pois caso venha degradar qualquer componente do ecossistema natural irá assim causar um desiquilíbrio, conforme descrito no proverbio yorubano:“OMI KOSI, ÉWÈ KOSI, ÒRÌSÀ KOSI” (Sem água, sem folha, sem Orixá).

Hoje nossa vida depende do uso cada vez maior dos recursos naturais, estamos nos desenvolvendo tecnologicamente cada vez mais rápido, mas este desenvolvimento desenfreado nos causa impactos ambientais como a diminuição e esgotamento de recursos, e posteriormente impactos ambientais ao nosso ecossistema natural. Desta forma o “capitalismo” e “consumismo” passam a ser um dos grandes vilões contra o Equilíbrio Natural, ou seja, mais uma vez sofremos consequências por nossas próprias ações.
A falta d’água, a falta de alimento, falta de terra fértil, desastres naturais, doenças e pestes são dentre algumas formas em que Olorum e demais Òrìàs tentam reajustar e realinhar o equilíbrio natural. A degradação do planeta de forma progressiva não acarretará o fim do ayé (terra) e sim o fim da raça humana caso seja o desejo de nossos Òrìàs, ou seja, a elevação da temperatura da terra, a destruição de ecossistemas, o desaparecimento diário de milhares de espécies, a redução vertiginosa dos estoques de água potável são sintomas dessa crise ambiental global, um verdadeiro desafio para toda a humanidade.
Nossos ancestrais mais distantes foram os primeiros ecologistas da terra, com o passar dos anos e inserção da ideologia capitalista dentro dos cultos afro-religiosos, principalmente no ocidente, fez com que os valores de respeito e veneração à natureza fossem esquecidos.
Portanto hoje adotar práticas e atitudes sustentáveis é garantir que as gerações futuras possam também usufruir dos recursos naturais garantindo assim existência humana, como também terem a oportunidade de reverenciar nossos Òrìàs.
A sustentabilidade abrange vários níveis, desde a vizinhança local até o planeta inteiro. Para um empreendimento humano e até mesmo um terreiro, centro e Ilé Àṣẹ (Casa de Axé) ser sustentável, têm de ter em vista 04 requisitos básicos, como: atitudes ecologicamente corretas, economicamente viável, justiça social e promover a tolerância cultural.
Desta forma pense e reflita sobre como hoje você cultua seu Òrìà, entidades espirituais e ancestrais, pois cultua-los de maneira ambientalmente responsável é garantir a existência do àṣẹ, o equilíbrio do ecossistema, continuidade da raça humana e combater a intolerância religiosa.


quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Por que no meio da dor os negros, dançam, cantam e riem?


Milhares de pessoa em toda a Africa do Sul misturam choro com dança, festa com lamentos pela morte de Nelson Mandela. É a forma como realizam culturalmente o rito de passagem da vida deste lado para a vida do outro lado, onde estão os anciãos, os sábios e os guardiães do povo, de seus ritos e das normas éticas. Lá está agora Mandela de forma invisível mas plenamente presente acompanhando o povo que ele tant ajudou  a se libertar.
Momentos como estes nos fazem recordar de nossa mais alta ancestralidade humana. Todos temos nossas raízes na Africa, embora a grande maioria o desconheça ou não lhe dê importância. Mas é decisivo que nos reapropriemos de nossas origens, pois elas, de um modo ou de outro, na forma de informação, estão inscritas no nosso código genético e espiritual.
Refiro-me aqui tópicos de um texto que há tempos escrevi sob o título:”somos todos africanos” atualizado face à situação atual mudada. De saída importa denunciar a tragédia africana: é o continente mais esquecido e vandalizado das políticas mundiais. Somente suas terras contam. São compradas pelos grandes conglomerados mundiais e pela China para organizar imensas plantações de grãos que devem garantir a alimentação, não da Africa, mas de seus países ou negociadas no mercado especulativo. As famosas “land grabbing” possuem, juntas, a extensão de uma França inteira. Hoje a Africa é uma espécie de espelho retrovisor de como nós humanos pudemos no passado e podemos hoje ainda  ser desumanos e terríveis. A atual neocolonização é mais perversa que a dos séculos passados.
Sem olvidar esta tragédia, concentremo-nos na herança africana que se esconde em nós. Hoje é consenso entre os paleontólogos e antropólogos que a aventura da hominização se iniciou na África, cerca de sete milhões de anos atrás. Ela se acelerou passando pelo homo habilis, erectus, neanderthalense até chegar ao homo sapiens cerca de noventa mil anos atrás. Depois de ficar 4,4 milhões de anos em solo africano este se propagou para a Asia, há sessenta mil anos; para a Europa, há quarenta mil anos; e para as Américas há trinta mil anos. Quer dizer, grande parte da vida humana foi vivida na África, hoje esquecida e desprezada.
A África além de ser o lugar geográfico de nossas origens, comparece como  o arquétipo primal: o conjunto das marcas, impressas na alma de todo ser humano. Foi na África que este elaborou suas primeiras sensações, onde se articularam as crescentes conexões neurais (cerebralização), brilharam os primeiros pensamentos, irrompeu a criatividade e emergiu a complexidade social que permitiu o surgimento da linguagem e da cultura. O espírito da África, está presente em todos nós.
Identifico três eixos principais do espírito da África que  podem nos inspirar na superação da crise sistêmica que nos assola.
O primeiro é o amor à Mãe Terra, a Mama Africa. Espalhando-se pelos vastos espaços africanos, nossos ancestrais entraram em profunda comunhão com a Terra, sentindo a interconexão que todas as coisas guardam entre si, as águas, as montanhas, os animais, as florestas e as energias cósmicas. Sentiam-se parte desse todo. Precisamos nos reapropriar deste espírito da Terra para salvar Gaia, nossa Mãe e única Casa Comum.
O segundo eixo é a matriz relacional (relational matrix no dizer dos antropólogos). Os africanos usam a palavra ubuntu que singifica:”eu sou o que sou porque pertenço à comunidade” ou “eu sou o que sou através de você e você é você através de mim”. Todos precisamos uns dos outros; somos interdependentes. O que a física quântica e a nova cosmologia dizem acerca de interconexão de todos com todos é uma evidência para o espírito africano.
À essa comunidade pertencem os mortos como Mandela. Eles não vão ao céu, pois o céu não é um lugar geográfico, mas um modo de ser deste nosso mundo.  Os mortos continuam no meio do povo como conselheiros e guardiães das tradições sagradas.
O terceiro eixo são os rituais e celebrações. Ficamos admirados que se dedique um dia inteiro de orações por Mandela com missas e ritos. Eles sentem Deus na pele, nós ocidentais na cabeça. Por isso dançam e mexem todo o corpo enquanto nós ficamos frios e duros como um cabo de vassoura.
Experiências importantes da vida pessoal, social e sazonal são celebrados com ritos, danças, músicas e apresentações de máscaras. Estas representam as energias que podem ser benéficas ou maléficas. É nos rituais que ambas se equilibram e se festeja a primazia do sentido sobre o absurdo.
Notoriamente é pelas festas e ritos que a sociedade refaz suas relações e reforça a coesão social. Ademais nem tudo é trabalho e luta. Há a celebração da vida, o resgate das memórias coletivas e a recordação das vitórias sobre ameaças vividas.
Apraz-me trazer o testemunho pessoal de um dos nosos mais brilhantes jornalistas, Washington Novaes:”Há alguns anos, na África do Sul, impressionei-me ao ver que bastava se reunirem três ou quatro negros para começarem a cantar ea  dançar, com um largo sorriso.Um dia, perguntei a um jovem motorista de taxi:”Seu povo sofreu e ainda sofre muito. Mas basta se juntarem umas poucas pessoas e vocês estão dançando, cantando, rindo. De onde vem tanta força?” E ele: “Com o sofrimento, nós aprendemos que a nossa alegria não pode depender de nada fora de nós. Ela tem de ser só nossa, estar dentro de nós.”
Nossa população afrodescendente nos dá a mesma amostra de alegria que nenhum capitalismo e consumismo pode ofecer.

* Texto escrito pelo teólogo Leonardo Boff, retirado do site: http://leonardoboff.wordpress.com/2013/12/12/por-que-no-meio-da-dor-os-negros-dancam-cantam-e-riem/